Especialistas afirmam que a lei é meramente ‘simbólica’ e resultado final de violências que as mulheres sofrem

no O Liberal

Apesar de considerada um avanço, especialistas ouvidos pelo LIBERAL afirmam que a lei do feminicídio, sozinha, não tem caráter preventivo. Em Santa Bárbara foram registrados três casos desse crime de setembro para cá. As vítimas, com idade entre 19 e 40 anos, foram mortas por homens com que mantiveram um relacionamento amoroso.

“A lei fracionada até ajuda, mas não consegue ser efetiva. Precisa de instrumento para ser viabilizada. Isso fica claro em Santa Bárbara. Três feminicídios em pouco mais de dois meses. Temos a Lei Maria da Penha, a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), o abrigo, e mesmo assim a lei não conseguiu ser efetivada porque não temos políticas públicas que possam proteger essa mulher”, afirma Ione da Silva, presidente do Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos da Mulher de Santa Bárbara.

Casos No dia 3 setembro, a jovem Bruna Rodrigues Gusmão Dessordi, de 19 anos, foi assassinada com 53 facadas por Anderson Santana de Souza, de 25 anos, com quem manteve um breve relacionamento. Cinco dias depois, a balconista Lorena Aparecida dos Reis Pessoa, de 29 anos, foi morta a tiros pelo policial militar e ex-namorado Carlos Alberto Ribeiro, de 36 anos. No dia 24 de novembro, a vendedora Adriana Oliveira Silva, de 40 anos, morreu após ser estrangulada pelo companheiro, o serralheiro Renan Teixeira Passarin, de 26 anos.

“O feminicídio é uma morte anunciada. Ele sempre é o resultado final de várias violências que a mulher vem sofrendo no decorrer da vida, seja emocional, física ou patrimonial. A Bruna, por exemplo, já vinha sendo ameaçada; a Lorena, o grande sofrimento da família é eles não terem percebido e ela não ter tido coragem de falar da violência que estava sofrendo. E a Adriana, o pai dela disse que ela vinha sofrendo violência dentro de casa. Portanto, se não for trabalhada junto com a Lei Maria da Penha, o feminicídio vai ocorrer”, afirmou Ione.

Para Marina Pinhão Coelho Araújo, presidente da Comissão de Estudos de Direito Penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), a lei do feminicídio é totalmente simbólica. “Me preocupa as pessoas acharem que o direito penal vai prevenir esse tipo de conduta, porque, na verdade, o direito penal serve para punir esse tipo de conduta. Quem tem que prevenir são métodos sociais, mudanças de cultura e aumento da capacidade de as pessoas se rebelarem contra humilhações”, declarou a especialista.

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03/09 Bruna Rodrigues Gusmão Dessordi, de 19 anos, foi assassinada no dia 3 de setembro. O autor é um rapaz de 25 anos com quem a vítima manteve um breve relacionamento.

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08/09 A balconista Lorena Pessoa, de 29 anos, foi morta a tiros pelo policial militar Carlos Alberto Ribeiro, de 36 anos. O crime na casa onde a vítima vivia com o filho de 3 anos.

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24/11 A vendedora Adriana Oliveira Silva, de 40 anos, morreu no dia 24 de novembro após ser estrangulada pelo companheiro, o serralheiro Renan Teixeira Passarin.

Pena pode chegar a 30 anos de prisão

O feminicídio entrou para o Código Penal como uma qualificadora do crime de homicídio, no rol dos crimes hediondos. Isso ocorreu a partir da Lei 13.104/2015, derivada de projeto da Comissão Mista da Violência contra a Mulher.

A pena pode variar de 12 a 30 anos de prisão, podendo ser aumentada em um terço se o crime for cometido durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; se for contra adolescente menor de 14 anos ou adulto acima de 60 anos ou ainda pessoa com deficiência; e na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

“A lei é um avanço no reconhecimento de um fenômeno social gravíssimo. O feminicídio é um complexo que revela a crueldade e a letalidade de uma sequência de violências praticadas contra o corpo e a vida das mulheres ao longo da vida. Logo, somente uma lei penal não dá conta de enfrentar o problema.

A dimensão jurídica dá conta de identificar um crime e anunciar socialmente o que é inaceitável. É uma aposta pela diminuição da impunidade e uma tentativa de mostrar que as múltiplas violências contra as mulheres são violação aos direitos humanos. Mas as leis só fazem sentido em contexto e no conjunto de políticas públicas”, afirmou a assistente social Izabel Solyszko, que trabalha em um centro de referência para mulheres na favela da Maré no Rio de Janeiro, vinculado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

De acordo com a legislação penal, os feminicídios podem envolver violência doméstica e familiar, violência sexual, tráfico de mulheres para fins de exploração sexual e a exploração sexual de meninas e adolescentes.