Tribunal de Justiça contabilizou 194 ações sobre mulheres mortas por questão de gênero no ano passado, contra 142 casos em 2016. Número de medidas protetivas concedidas pelo Judiciário também aumentou: 130%

no GAÚCHAZH

Em 2017, movimento espalhou 359 cata-ventos na Redenção, em Porto Alegre, representando o total de mulheres que foram vítimas de feminicídio ou sofreram tentativa do crime na cidade, em 2016. Luciano Madruga / Divulgação Grupo Cortel

Os processos judiciais de feminicídios aumentaram 36% em 2017 no Rio Grande do Sul. No ano anterior, o Tribunal de Justiça havia terminado com 142 casos de mulheres assassinadas por questão de gênero, enquanto que no ano passado o número de vítimas saltou para 194.

As mortes deixam as autoridades em alerta, mas os dados também indicam um caminho: mais do que o dobrou o número de medidas protetivas concedidas pela Justiça. Para especialistas no tema, as mulheres estão buscando cada vez mais os meios legais para se proteger da violência.

A promotora de Justiça Andréa de Almeida Machado atua no Tribunal do Júri da Capital e destaca que o aumento das medidas protetivas reflete mudança de comportamento das mulheres.

— Antes, muitas sofriam e não faziam nada. Não procuravam a polícia. Isso está começando a mudar — observa.

O número de medidas concedidas saltou de 22.217 para 51.099. Para a promotora de Justiça Ivana Battaglin, da Promotoria de Violência Doméstica, a elevação reflete uma familiaridade das vítimas com a legislação.

— A Lei Maria da Penha é uma lei muito popular. Cerca de 90% das pessoas conhecem. Não sabem exatamente o que é, mas sabem que é para proteger. Está ao alcance das mulheres e elas estão buscando mais — destaca.

Na tentativa de alertar sobre a violência de gênero, em agosto de 2017, uma ação espalhou 359 cata-ventos na Redenção, em Porto Alegre, representando o total de mulheres que foram vítimas de feminicídio ou sofreram tentativa do crime na cidade, em 2016.

Atendimento cresce 49% na defensoria pública

A Defensoria Pública é um dos órgãos que acabou sentindo o aumento na procura. O atendimento de vítimas cresceu 49% no Estado. De 2.470 passou para 3.693. O subdefensor público-geral para assuntos Jurídicos, Tiago Rodrigo dos Santos, entende que o cenário é reflexo de um acesso maior de informações pelas vítimas:

— Temos mulheres com muito mais informações para exercer e conhecer seus direitos, de procurar a Delegacia da Mulher — considera Santos.

À frente da Coordenadoria das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça, a juíza-corregedora Traudi Beatriz Grabin analisa os dados que resultaram em morte, em 2017:

— O aumento pode ter relação com a situação que o agressor está passando, de desemprego, alcoolismo, entre outros. Mas o maior fator é a violência, e por fatores culturais, como o machismo — destaca a magistrada.

A delegada Tatiana Bastos, subcoordenadora das Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher, diz que o combate ao feminicídio esbarra na sua própria complexidade:

— Quando tu estás em um contexto de violência doméstica e familiar, conseguir intervir nessa dinâmica é só com política pública de proteção. Tem de ter uma rede estruturada para poder identificar, perceber que o cara vai matar. Então, vou ter de fazer alguma coisa enquanto Estado para romper essa dinâmica de violência, tirar essa mulher desse espaço para que esse homicídio não ocorra — explica.

“É difícil de a mulher se desvencilhar”, diz especialista

Coordenadora da pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Stela Meneghel estuda a violência contra mulheres desde a década de 1990. Para ela, a situação está diretamente relacionada ao modelo patriarcal, no qual a violência é considerada “um mecanismo de controle” das mulheres.

— A violência contra a mulher tem caráter crônico. Às vezes o casal está junto há mais de 20 anos, então é difícil de a mulher se desvencilhar — destaca.

A promotora de Justiça Andréa de Almeida Machado percebe que, em muitos casos, a vítima acaba negando a agressão, para encobrir o companheiro.

— Tem um elemento complicado, que é a inserção da própria vítima no círculo de violência, vítimas negarem a violência. Já fiz júri acusando réu, e negando a palavra da vítima. Com frequência, as vítimas não conseguem sair do círculo de violência, a ponto de culpar a gente, que está tentando ajudar.

O subdefensor público-geral para assuntos Jurídicos da Defensoria Pública, Tiago Rodrigo dos Santos, é cauteloso em avaliar o aumento nos processos.

— Cada caso é diferente. Todos têm vários fatores envolvidos e fica difícil avaliar — entende.

Questão de gênero e violência doméstica

O termo feminicídio passou a ser utilizado em 2015 após alteração no Código Penal. A designação pode ser utilizada em duas situações: quando a morte da mulher ocorre em contexto de violência doméstica ou quando acontece por menosprezo à condição de mulher. Em janeiro, a Polícia Civil passou a considerar o termo desde o início da investigação. Antes, a classificação só era usada ao final, no indiciamento. 

Segundo o procurador de Justiça e professor de Direito Penal Gilberto Thums, há quatro definições para o enquadramento como feminicídio. Três são verificadas quando existe violência doméstica: dentro do núcleo familiar, por pessoas que estão agregadas a ele (convidados, empregados) ou por vínculo de afeto com o agressor. A última possibilidade é de crimes cometidos por alguém que tem aversão a mulheres, conhecido por misoginia.